sábado, 11 de setembro de 2010

Christiane Torloni retoma a peça da qual participo há mais de 20 anos, agora com texto original "A Loba de Ray-Ban"

Uma bem-vinda coleção de ‘sustos estéticos’
Artur Xexéo



Renato Borghi é um colecionador de “sustos estéticos”. Não foi por acaso, portanto, que, na montagem de “O lobo de Ray-Ban”, em 1987, ele imaginou Christiane Torloni entrando em cena, sentada num balanço gigantesco, que rompia uma parede de papel e se lançava sobre a plateia. Era uma maneira de recordar o primeiro dos “sustos estéticos” que o teatro lhe proporcionou. A cena era uma citação à última aparição de Cacilda Becker em “Seis personagens à procura de um autor”, montada pelo TBC, em 1959, com direção de Adolfo Celi.

Com
“A loba de Ray-Ban”, Borghi proporciona ao diretor José Possi Neto a oportunidade de provocar outros tantos “sustos estéticos” na plateia. O acerto começa com a cenografia de Jean-Pierre Tortil. Quando o espectador entrava no Teatro Frei Caneca, onde a peça estreou em São Paulo, no começo do ano, já sabia que não assistiria a um espetáculo qualquer. O texto de “A loba...” é tão bom e tão contundente que, mesmo com uma montagem intimista, chegaria incólume ao públcio. Afinal, tudo se passa num palco e nos bastidores de um teatro. A cena de um palco nu seria suficiente. Mas ali estão uma teia de cordas, onde será realizada a impactante cena de um estupro; uma cortina vermelha, que em certo momento servirá como figurino; um camarim onde, delicadamente, Christiane Torloni deixou uma foto de Raul Cortez; uma ponte suspensa, onde é encenado um trecho de “Esperando Godot”; e muitas outras surpresas.

Encarar
“A loba de Ray-Ban” como uma peça gay é precipitação. “A loba...” trata da força da sexualidade — ou das sexualidades — nas relações afetivas. Há sustos estéticos também neste quesito, como a primeira cena de Leonardo Franco, em que ele aparece nu, ou a troca de carícias entre Christiane e Maria Maya. Mas assistir à peça com este único olhar é supericial. “A loba...” é, principalmente, uma sincera e comovente homenagem ao teatro brasileiro, uma celebração das mulheres, das atrizes que ajudaram a construir a História desse teatro.

É impossível, em algumas cenas, olhar para Christiane e não se lembrar de Bibi Ferreira em “Gota d’água”. Também não por acaso, a peça que a personagem de Christiane interpreta durante a ação da peça é “Medeia”, mesmo personagem que Bibi interpretou na adaptação de Paulo Pontes, Vianinha e Chico Buarque para a tragédia de Eurípedes.

O elenco é irrepreensível ao responder com brilho às intenções de autor e diretor.
Maria Maya, a mais jovem da trupe, contracena de igual para igual com os colegas mais experientes. Leonardo Franco encara um personagem difícil com a segurança de quem acabou de sair de um trabalho (“Traição”) que lhe rendeu uma indicação ao Prêmio Shell. Mas a noite é de Christiane Torloni. Engraçada, irônica, dramática, trágica, delicada, sensível, ela não sai de cena durante todo o espetáculo. Madura, com um trabalho de expressão corporal de arrepiar e linda, Christiane Torloni
, sozinha, já é um agradável “susto estético”.

Fonte: Guia Rio Show


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