Christiane Torloni fala de sua peça "A Loba de Ray-Ban"
O processo de uma vasta crise afetiva e profissional de uma mulher madura mergulhada em inquestionável solidão é o cerne do espetáculo A Loba de ray-ban, encabeçado por Christiane Torloni, que aporta no Recife neste fim de semana. Uma diva do teatro, atriz conceituada e líder de uma renomada companhia entra em colapso quando seus companheiros, de palco e de vida, seu marido e sua amante a abandonam em pleno cena. O espetáculo dá vez ao escândalo pessoal e vida e arte se misturam diante dos olhos de público (fictício e real).
A peça, em cartaz sábado e domingo no Teatro da UFPE, é uma versão feminina de "O Lobo de Ray-Ban", de Renato Borghi, originalmente protagonizado por Raul Cortez e a própria Torloni no elenco, além do ator Leonardo Franco. A montagem de 1987, cercada de polêmicas, configurou-se como um marco da dramaturgia oitentista nacional. Ambas montagens têm direção de José Possi Neto.
Marco também na carreira da própria Torloni, que iniciou com "O Lobo de Ray-Ban" uma parceria com o Possi Neto que viria a render bons frutos no palco. Juntos, diretor e atriz realizaram sucessos como Salomé, de Oscar Wilde; Joana D’Arc, Blue room e As mulheres por um fio.Passados 22 anos, Possi tira a poeira do texto resguardado por anos a fio ao lado da amiga e parceira Christiane Torloni, que também assina a produção da peça. Numa dança das cadeiras nos papéis, Torloni passa a fazer o papel que era de Raul Cortez. Leonardo Franco o que era de Christiane e o papel do jovem ator, antes representado por Leonardo, agora é interpretado por Maria Maya.
Christiane Torloni conversou, por telefone, com o JC Online sobre a peça e sua personagem. Confira a entrevista.
JC Online - Você integrava o elenco da peça na década de 80 e agora reintegra a montagem em outro papel, como é viver o texto por outra perspectiva?
Christiane Torloni - É realmente uma experiência bárbara, poucos artistas vivenciam uma oportunidade como essa de investigar tão fundo uma obra e ainda inteprertar outro personagem, é como passear pelo texto. Sinto-me premiada.
JC Online - Na primeira versão o papel-título era de um homem, nessa adaptação, o lobo vira loba. É complicado transmutar uma alma feminina para o personagem?
C.T. - O texto já abria esse precedente. Quando o Raul encenou o lobo, Renato Borghi, o [autor] começou a conceber para Dina Sfat uma versão feminina. Como o texto se baseia metaliguisticamente no universo do teatro, levou vários meses para que ele fizesse um paralelo feminino dos clássicos papéis masculinos como Ricardo III de Shakespeare, para Medeia de Eurípedes, ou Eduardo II, de Marlowe, para diálogos de As Criadas, de Jean Genet. Quando o texto ficou pronto, infelizmente a Dina já estava muito doente [a atriz veio a falecer em 1989] e a peça ficou engavetada.
Então a Loba em si já existia desde a sua concepção. Não é simplesmente um reflexo como espelho do Lobo, a Loba é uma mulher complexa, com seus sentimentos e crises muito intrísecos a uma alma feminina, então o mergulho não foi apenas meu, mas a personagem já trazia incutida sua feminilidade.
JC Online - E que há de Torloni nessa Loba, você se identifica com ela?
C.T. - De certa forma, eu cresci e amadureci com ela. Além das idenficações óbvias, dela ser uma atriz de meia-idade como eu [risos], ela estava sob minha percepção desde a encenação do Lobo. É como se a gente fosse ficando cada vez mais íntimo por que o mesmo aconteceu com a gente da equipe. Fiz sete espetáculos com o Possi [diretor] antes de revisitarmos essa montagem, então a gente também cresceu todo mundo junto. E, afora a poligamia, a Loba é uma mulher muito universal, com suas crises e questionamentos, a ira, a dor do abandono, e está um pouco em cada uma de nós. Só não fui, como ela, abandonada pela minha companhia em pleno palco, isso seria trágico demais para qualquer atriz, deus me livre! [risos].
JC Online - E o referencial do Raul Cortez como o Lobo, ficou algum tom nostálgico nesse resgate?
C.T. - É como se ele tivesse sempre aqui no palco. O papel vai ser sempre o Lobo, e sempre do Raul. O lobo é ele, não tenho tanta loba assim como arquétipo, inclusive pela própria bissexualidade do personagem. Parece um reencontro, a gente ouve ele nos ensaios, dá pra escutar ele gritando e impulsionando todo mundo. E ele deixou como legado essa referência de qualidade. Sabemos que menos do que aquilo não podemos oferecer. Pode não ser melhor, mas menos é inadmissível.
JC Online - O enredo da peça trata de temáticas indigestas e polêmicas como bissexualidade e relacionamento livre, na época do lançamento de ‘O Lobo de Ray-Ban’ houve um frisson sobre a montagem. Após 22 anos, você acha que o mundo mudou ou tais assuntos ainda são tabus?
C.T. - Eu acho que o mundo tá mais careta. Há mais hipocrisia na sociedade. Quando existem países que aindam colocam a homossexualidade como crime punível com pena de morte é sinal de que o mundo andou pra trás.
Fonte: JC Online
JC Online - Você integrava o elenco da peça na década de 80 e agora reintegra a montagem em outro papel, como é viver o texto por outra perspectiva?
Christiane Torloni - É realmente uma experiência bárbara, poucos artistas vivenciam uma oportunidade como essa de investigar tão fundo uma obra e ainda inteprertar outro personagem, é como passear pelo texto. Sinto-me premiada.
JC Online - Na primeira versão o papel-título era de um homem, nessa adaptação, o lobo vira loba. É complicado transmutar uma alma feminina para o personagem?
C.T. - O texto já abria esse precedente. Quando o Raul encenou o lobo, Renato Borghi, o [autor] começou a conceber para Dina Sfat uma versão feminina. Como o texto se baseia metaliguisticamente no universo do teatro, levou vários meses para que ele fizesse um paralelo feminino dos clássicos papéis masculinos como Ricardo III de Shakespeare, para Medeia de Eurípedes, ou Eduardo II, de Marlowe, para diálogos de As Criadas, de Jean Genet. Quando o texto ficou pronto, infelizmente a Dina já estava muito doente [a atriz veio a falecer em 1989] e a peça ficou engavetada.
Então a Loba em si já existia desde a sua concepção. Não é simplesmente um reflexo como espelho do Lobo, a Loba é uma mulher complexa, com seus sentimentos e crises muito intrísecos a uma alma feminina, então o mergulho não foi apenas meu, mas a personagem já trazia incutida sua feminilidade.
JC Online - E que há de Torloni nessa Loba, você se identifica com ela?
C.T. - De certa forma, eu cresci e amadureci com ela. Além das idenficações óbvias, dela ser uma atriz de meia-idade como eu [risos], ela estava sob minha percepção desde a encenação do Lobo. É como se a gente fosse ficando cada vez mais íntimo por que o mesmo aconteceu com a gente da equipe. Fiz sete espetáculos com o Possi [diretor] antes de revisitarmos essa montagem, então a gente também cresceu todo mundo junto. E, afora a poligamia, a Loba é uma mulher muito universal, com suas crises e questionamentos, a ira, a dor do abandono, e está um pouco em cada uma de nós. Só não fui, como ela, abandonada pela minha companhia em pleno palco, isso seria trágico demais para qualquer atriz, deus me livre! [risos].
JC Online - E o referencial do Raul Cortez como o Lobo, ficou algum tom nostálgico nesse resgate?
C.T. - É como se ele tivesse sempre aqui no palco. O papel vai ser sempre o Lobo, e sempre do Raul. O lobo é ele, não tenho tanta loba assim como arquétipo, inclusive pela própria bissexualidade do personagem. Parece um reencontro, a gente ouve ele nos ensaios, dá pra escutar ele gritando e impulsionando todo mundo. E ele deixou como legado essa referência de qualidade. Sabemos que menos do que aquilo não podemos oferecer. Pode não ser melhor, mas menos é inadmissível.
JC Online - O enredo da peça trata de temáticas indigestas e polêmicas como bissexualidade e relacionamento livre, na época do lançamento de ‘O Lobo de Ray-Ban’ houve um frisson sobre a montagem. Após 22 anos, você acha que o mundo mudou ou tais assuntos ainda são tabus?
C.T. - Eu acho que o mundo tá mais careta. Há mais hipocrisia na sociedade. Quando existem países que aindam colocam a homossexualidade como crime punível com pena de morte é sinal de que o mundo andou pra trás.
Fonte: JC Online
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