terça-feira, 13 de julho de 2010

"A Loba de Ray-Ban" em Paixão e Crise.

Christiane Torloni Paixão e Crise em "A Loba de Ray-Ban"


Vinte e dois anos depois de participar da montagem da peça “A Loba de Ray Ban” de Renato Borghi, com Raul Cortez, Christiane Torloni volta ao palco com o mesmo espetáculo, agora no papel de Julia, versão feminina do protagonista, com direção de José Possi Neto (o mesmo de 1987). Em entrevista para o Guia de Teatro, Christiane Torloni fala do desafio de interpretar uma personagem que também é atriz e da intensidade dramática que resulta disso, no palco.

Guia – Você faz o papel de Julia, uma atriz num momento crítico da vida pessoal e profissional. Qual o limite entre atores e personagens nessa peça?
Christiane - O fato de nós estarmos fazendo um espetáculo que é sobre atores faz com que esse limite fique mais tênue ainda. Uma coisa é você representar uma personagem distante da sua realidade, outra coisa é você representar uma atriz que está vivenciando uma crise existencial que poderia ser a sua mesmo. Eu acho que acontece uma superposição muito interessante e o público desfruta disso também. Uma atriz representando uma atriz. Isso fica muito próximo de algo real e esse realismo é muito interessante porque há uma retro alimentação da Julia para a Christiane e da Christiane para a Julia.

Guia – E o fato de isso acontecer dentro de um teatro amplia todas as possibilidades?
Christiane - São três atores no âmago de uma crise afetiva e isso acontece dentro de um teatro, que é um lugar ao mesmo tempo sagrado e profano, o que permite que alguns limites sejam ultrapassados. E tudo isso é potencializado pelo fato de a Julia estar preparando a cena final da vida dela. Então não seria a mesma coisa se essa crise acontecesse, por exemplo, com um engenheiro. Também seria de grande humanidade mas, com certeza, muito diferente. Num determinado momento, os atores começam a se utilizar de personagens da dramaturgia universal para poderem demonstrar as suas emoções. A Julia, por exemplo, entende verdadeiramente a Medéia, depois de duzentas apresentações, no dia que ela tem um estalo. A Medéia, na verdade, é uma ponte pra ela ter um troço e interromper o espetáculo. É a fúria da vingança. Provavelmente um engenheiro não teria uma reação como a dela. Ela quebra as barreiras do teatro e vive uma catarse pessoal dentro da cena.

Guia – A paixão dos personagens, nesta peça, está relacionada com a paixão que move o ator a fazer teatro?
Christiane - Eu acho que sim porque a paixão existe ali em todos os sentidos. A paixão relacionada ao amor assim como a paixão do sangramento. A gente ama e sangra. Em doses que podem se tornar insuportáveis, dependendo da sua própria vida (a vida do ator). Às vezes acontece uma troca de emoções enorme entre ator e personagem. Não há um distanciamento. Na hora que você está ali no palco é amor e dor. Isso fica muito claro. São duas paixões e dois abandonos que a Julia está vivendo ali. E a gente não pode esquecer que ela está a ponto de se suicidar, por amor. Dois abandonos são demais! Ela pira! E acha que o suicídio é a única saída honrosa. Só que de repente o jogo vira.

Guia – O espetáculo exerce um grande fascínio na plateia, por estar ali, assistindo àquela transformação toda. A plateia está mais para terapeuta ou para voyeur?
Christiane - A analogia com a terapia é interessante, mas a peça, na verdade, é uma grande catarse em que o público, em determinado momento, faz parte daquela dinâmica de grupo que se estabelece. Eu acho que o termo voyeurismo talvez seja mais adequado. Tem um momento na proposta do Renato Borghi que é muito claro: é como se o público não estivesse ali assistindo o espetáculo mas, na verdade, olhasse por um buraco mágico de fechadura o que está acontecendo nos bastidores. A gente percebe que há um desejo inconsciente do público de saber o que se passa conosco quando o pano fecha. A frase inicial da peça é “Até que enfim eles (o público) foram embora”. A Júlia diz “Estou só” e então começa a lavar a roupa suja da da relação dela com o Paulo (Leonardo Franco) e depois com a Fernanda (Maria Maya). Nesse momento o público faz um mergulho na memória dela. A primeira parte do espetáculo traz muitas memórias. A segunda parte já não tem o mecanismo do flash-back. É tempo real. Então eu sinto que o público fica mais próximo dos personagens do que um terapeuta. O terapeuta sempre tem uma postura mais distanciada. Eu acho que o público, ao contrário, fica bem exposto ao que acontece ali. E isso fica muito claro pela forma que ele reage no final do espetáculo.




Fonte : Guia do Teatro.

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