quinta-feira, 24 de junho de 2010

A Loba de Ray-Ban - Talentosa alcateia

Crítica do espetáculo, feita por Darson Ribeiro (que é ator, autor e também diretor teatral)

A história de Possi Neto com o teatro já daria mais de uma peça. A união dele com Leonardo Franco – idealizador do projeto – e a estonteante Christiane Torloni, resultou numa excelente revisitação do texto O Lobo de Ray-Ban por um outro ícone teatral: Renato Borghi. Esta alcateia de lobos vorazes pelo palco ainda tem o esteio de Fabio Namatame nos figurinos deslumbrantes e fiéis, e outros aliados que fizeram da montagem um espetáculo, como o veterano Renato Dobal e a jovem Maria Maya que se faz acontecer. Um espetáculo que acrescenta ao original de 87 onde Cortez era o lobo-mor – agora vivido por La Torloni.

É teatro puro. Nada do chavão “meta-teatro”. São seres de carne-osso estimulados pelo fazer teatral a tal ponto de se encontrarem além das personagens, em meio a coxias, cortinas, refletores, tronos solitários, passarelas que ali, levam todos a si mesmos. Restos de cenário. Restos de gente. É uma espécie de terapia de grupo bem-sucedida com ouvintes (o público). Mais que isso: participantes, porque a peça pega, explicita o velado com prazer e tirania; com honestidade e doses de libertinagem; com vigor e inteligência. Que chato a ausência disso na vida.

Altamente teatralizada por Possi, o texto flui e tem-se a impressão de que está sendo falado por muitas bocas, porque vem de encontro a deslocamentos sexuais - como os tão falados (e desejados) triângulo amoroso e bissexualidade. Pelo menos ali, no palco, a imaginação se deixa executar. Principalmente para quem os vê e os deseja. Longe de dominações masculinas, de indiferenças, de idades opostas. O que vale é a contemporaneidade do sentimento, que busca a essência. Essa é a vibe. E isso não vai envelhecer. E é pelo teatro que a ruptura da mesmice vem. É por ele, que o público desvenda-se também “anormal” diante do poder que o artista tem, de se exercitar. De se testar. De se deixar levar pela gana, pelo tesão, ou pelo “encontrar-se” nas mais diversas formas de conflitos existenciais. Viver é passar por esses suplícios.

A Loba de Ray-ban merece ser vista. Merece ser analisada em suas reticências, em suas entrelinhas. É o bom gosto exposto com o rosto oposto a tudo que se priva. A tudo que se busca pelo contrário. Deixe seu ray-ban em casa e se encontre com essa gente talentosa, exuberante e que está lá trabalhando por melhorias: as internas, que são as mais buscadas. E as melhores.

Fonte: Portal Onne


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